quarta-feira, 21 de março de 2012

Katmandu, Nepal

Começo pelo inicio: Hoje fui chamado ao escritório!

Sim, este é o início da história que se segue. Fui a Kathmandu já por duas vezes e das duas vezes, o Nepal mostrou-me sensações tão de pacíficas como de caóticas. É mesmo essa a mística da capital do país onde nasceu o Buda.

Uma das experiências já a tinha relatado numa nota que escrevi, que por sinal foi a minha Passagem de Ano quando lá estive que passo a citar:

"Ainda me lembro de um documentário que vi com a nossa jornalista Teresa Conceição (se  memória não me falha) que sempre admirei pelo seu espirito de aventura, irreverência e a sua paixão reflectida nas suas palavras... Era mais um diário sobre uma jornada Camel Trophy by Land Rover pelo Tibete... Claro que antes disso passaram pelo Nepal e aí, já sabendo qual era o pico mais alto do mundo e sabendo mais ou menos o que representava já na altura o Tibete que fiquei com um desejo crescente de o visitar. O filme "Sete Anos no Tibete" veio ajudar e ainda fazer-me desejar viver (quase toda) a acção nele decorrida... Felizmente, e gracas a minha actual vida, consegui realizar uma parte deste sonho!


Passagem de ano em Kathmandu? A chegar cerca das 22:30, ainda pensava celebrar a entrada em 2012 ainda a trabalhar... E iria divertir-me na mesma!!! Mas felizmente, com boa vontade de todos (e penso que também dos passageiros que voaram connosco que deviam querer ir para 2012 fora do aeroporto) chegámos ao hotel ainda a horas de podermos ser nós próprios (civis!) nas boas vindas a 2012! Que festa... Com algum nada à nossa volta, fizémos nós a nossa festa... E não se preocupem pois passei a sabedoria da nossa tradição e dei a oportunidade a todos os meus colegas, incluindo mesmo os que iriam regressar na rota que eu voei, de pedirem os famosos desejos ao som das baladas (que também ajudei a representar com a minha garrafita de Carlsberg de litro e o meu copo de tequilla a baterem um no outro) e a comer as doze passas... Ahhh... Que bem que soube mostrar o que é nosso! Não pelo ser português mas sim por ser algo típico e por estar a ser utilizado para unir várias culturas e religiões e a dar a oportunidade de fazer com que sonhos ou objectivos se realizem!

Mas "cedo" nos fartámos de estar sentados no Lobby Bar que já tinha fechado e apesar de ainda estar a dar a minha musiquinha dos anos 80 e 90 (fui carregado de equipamento de som!), precisávamos de algo mais. Foi então que alguem se lembrou de que estava um casino aberto 24 horas por dia e fomos... Chegámos todos à conclusão de que era mesmo um casino. Daqueles que são só casinos! Sabem? Só de jogo...

Enfim, regressámos mas felizmente havia afinal uma discoteca aberta num quarto qualquer! Onde mais uma vez lá fiz de Dj... Pelo que me iam pedindo, a música portuguesa está em grande no panorama internacional! Não que conhecessem muito mas pelo menos tinham interesse em conhecer.



Sistema de transportes públicos de Kathmandu?


Sim, fazia planos de me levantar por volta das nove da manhã para aproveitar o pequeno-almoço grátis (tão boa esta palavra!) e visitar o Swayambhunath, mais conhecido por Templo dos Macacos.

Hmmmm? Adivinharam! Não acordei a horas para tal... Mas não deixei de ir só que quando me decidi a ir o sol já se estava a pôr. Foi aí que começou a demanda de encontrar táxi. Haver havia - às dezenas de cada vez parados como se estivessem numa praça. Sempre que tentava negociar preços com alguém diziam-me sempre que não podiam pois estavam na fila, mas sempre que perguntava onde começava a fila, se pela frente ou por trás (mantenham-se no contexto, por favor), respondiam-me qualquer coisa naquele inglês já famosamente imperceptível (pelo menos por mim). Finalmente depois de encontrar um táxi a um preco razoavel na estrada fiquei a saber que o que eles realmente estavam à espera era de cobustível pois aparentemente há uma grande lacuna na distribuição devido aos preços altissimos praticados em quase todo o lado (menos no Médio Oriente!).

Depois de uma estrada que mais parecia um caminho de cabras do monte, e depois de termos optado pelo caminho de carro e não pelo pedestre pois já estava escuro,  lá chegámos! Não imaginava a quantidade de macacos existentes naquele templo - são cerca de oitocentos. Fotografias não há muitas pois já quase nada se conseguia ver... Mas conseguia sentir a forte presença espiritual à minha volta! Não sei se era dos gigantes Budas, se das rodas da sorte que devem ser giradas sempre no sentido do relógio, se do que os locais chamam The Mountain (Evereste)... Só sei que queria voltar àquele lugar no cume da montanha para conseguir ver o que a escuridão escondia.

Excelentes notícias! O meu vôo de regresso tinha sido cancelado, o que me deu mais 24 horas para, como diz o Pedro Abrunhosa, "fazer o que ainda nao foi feito"! Obrigado, Buddha... Pela oportunidade!

Levantei-me cedo, aproveitei o tal pequeno-almoço grátis mas... Estava chover... Regressei ao quarto... De repente... O sol abriu o seu sorriso e piscou-me subtilmente o olho, fazendo-me reflectir e concluir que estava na hora de aproveitar esta oportunidade. Fui! Pelo caminho pedestre...

Este caminho consiste basicamente em subir o lanço de trezentos e sessenta e cinco degraus com uma inclinação de quase cem por cento.


À conversa com... 
um cameraman da
National Geographic
Assim que cheguei, dois miudos perguntaram se se poderiam juntar a esta jornada com o intuito de melhorar o inglês. Claro que desconfiei mas aceitei e aproveitei esta oportunidade para perceber melhor o templo e o budismo em si... Segundo as crenças budistas, deve-se sempre iniciar a jornada pelo lado esquerdo, no sentido dos ponteiros do relógio e deve-se completar assim o ciclo de regressar pelo lado direito para atrair boa sorte... E assim me mostraram o templo todo, onde consegui no meio de confusão, de tentativas de negócios e monges budistas e ocidentais a cantar enquanto davam uns acordes na sua viola, ver paz! Ao som de macacos a saltar e a passarem por mim e águias a planar e a descansar em árvores despidas de folhas com Kathmandu e os Himalaias como pano de fundo... Silêncio bem aproveitado a absorver o que o Nepal me estava a oferecer. Delicioso... Namaste

Vi uma piscina de macacos que não estava a ser utilizada devido ao frio do inverno (talvez o spa dos macacos estivesse em manutenção!), os três budas na foto representados que são respectivamente da Índia, Nepal e Tibete... Segundo a História o Buda que quando nasceu era só um nasceu no Nepal...


Na foto, um funeral segundo a
tradição hindu com a respectiva

cremação do corpo (explicado

por um dos meus "guias")


Quando finalmente regressei ainda com o Susan e o Darshan a acompanhar-nos, quando completei o ciclo da minha jornada, pediram-me para comprar leite para os seus irmãos... Um leite que mesmo depois de lhes pedir a verdade, a meu parecer os comerciantes já sabem o que os visitantes irão comprar e que já têm um preço "taxado" especialmente para turistas. Quero eu dizer com isto que quem quiser acreditar que está a ajudar alguém pode trazer leite, fruta ou calçado fechado pois estes dois miúdos costumam passear de chinelos de praia... Nota-se perfeitamente que estão habituados àqueles passos, mas...


Estes 365 degraus, para mim representam todos os dias (este ano é bissexto mas hoje já é dia 2) que terei de escalar este ano com alguns degraus mais dificeis do que outros de subir mas no final a paisagem é desconcertantemente calma... Feliz 2012 e Vejam sempre o copo meio cheio!

Namaste"







Longe de saber a lição que a vida (ou um futuro passageiro) me viria ensinar...

No meio das muitas tarefas que tem um Cabin Crew, estava eu a servir o jantar aos passageiros no vôo de regresso a casa quando um passageiro me mostra um papel escrito em inglês que dizia qualquer coisa como "Peço desculpa mas por motivos de saúde não posso comer as vossas refeições".

Nunca se deve pedir desculpa por se estar doente e foi com esse comentário e com vontade de arranjar uma solução para este passageiro não passar a viagem de estômago vazio que lhe consegui arrancar um sorriso no meio de uma cara de visível sofrimento... Foi então que para melhor lidar com esta situação que este senhor, chamado de James Butt, me confessou que lhe tinha sido diagnosticado um cancro no estômago.

Passado algum tempo depois do serviço e já com as luzes apagadas pois este era um vôo nocturno, ao passar pela cabine, deparei-me com um olhar para o vazio visivelmente transtornado. Eu sou um ser humano e sei que às vezes em momentos menos bons basta alguém puxar-nos um sorriso para nos fazer acordar virados para o lado em que a lua brilha... Vi um lugar vazio ao lado do James e pedi autorização à minha CS (chefe) desse vôo para me sentar ao lado dele ao qual amavelmente ela acedeu ao meu pedido!

Foi esta a deixa para uma conversa que se veio a tornar também numa importante lição pessoal... Falámos um pouco de tudo, desde esta ser a terceira vez que o cancro o atacava, passando pelo facto de o James já ter escalado o Everest até à experiência que teve nas Forças Especiais Britânicas cujo nome oficial é SAS...

Cresci muito com este momento e também eu fui confortado com esta conversa e a frase do até já foi qualquer coisa como "Se já sobrevivi a algumas balas, não é este bicho que me vai roubar a vida".

Foi com esta força que me levantei e agradeci a James pela lição que ele me deu...

Importante aqui dizer que ele me agradeceu por ter transposto a barreira do que é um Cabin Crew... Aquela idéia pré concebida de um robô que abre e fecha as portas, arma-as e dearma-as, serve e segura a cabine... Estas são palavras de James e não me interpretem mal pois o facto de estar a escrever esta parte é somente para demonstar que às vezes um gesto, por mais pequenino que seja, consegue alterar por completo o nosso dia.

Recordo assim uma música que representa a mensagem que gostaria de passar... Desta vez um clássico do Bobby McFerrin, cuja frase principal me tem acompanhado todos estes novos dias, "Don't worry, be happy"!

Não se preocupem, sejam felizes...




Ahhhh... Fui chamado ao escritório! O James escreveu uma carta à minha companhia da qual num ambiente um tanto ou quanto descontraído (eu estava ainda na expectativa) com três  Performance Officers (traduzindo, uma espécie de avaliadores de performance) à minha volta leram-ma...

Não, James... Eu é que te agradeço... Por fazeres de mim uma pessoa bem mais rica do que era antes de te ter conhecido!

Obrigado

P.S.: E num aparte, um agradeço especial às pessoas responsáveis pelo reconhecimento.